segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Teoria e Prática Pedagógia: leituras complementares

 


Uma seleção de perguntas a Peninha

Cristina Maria Rosa

 

Autor da façanha de vender mais de 1 milhão de livros recontando a história do Brasil ao estilo jornalístico, na coleção Terra Brasilis, o escritor Eduardo Bueno volta à carga. Aos 56 anos, Peninha prepara seu primeiro romance histórico e afia a língua.

Performático como de costume, o autor fanático pelo Grêmio e por Bob Dylan não fugiu de polêmicas nas duas horas de conversa no seu escritório em Porto Alegre[1]. Nas respostas mais virulentas, inclinava a cabeça até o gravador e repetia aos berros alguma frase de efeito, recheada de palavrões:

- Será que gravou? - perguntava, rindo.

 

1.      Os que os brasileiros ainda precisam aprender sobre a história do 7 de Setembro? A versão ensinada nas escolas sobre a Independência corresponde aos fatos?

No instante em que o então príncipe D. Pedro decidiu desafiar seu pai, o rei D. João VI, e permanecer no Brasil, a independência já ficou desenhada. Poderíamos estar muito bem festejando hoje aquele 9 de janeiro de 1822, o dito Dia do Fico, como o momento em que o Brasil rompeu seus laços com Portugal. Até porque o que aconteceu no 7 de Setembro foi mera formalidade - embora, curiosamente, sem formalidade alguma, já que o príncipe estava desarranjado, com uma caganeira... real. No colégio, os alunos seguem aprendendo a versão cristalizada pelo quadro de Pedro Américo, pintado 60 anos depois, e a pedido de D. Pedro II, mais interessado em "fabricar" uma versão da história do que em desvendá-la. O importante seria deixar claro que, naquela ocasião, como em outras, o Brasil sempre mudou para continuar igual: nesse caso, para se manter uma nação retrógrada, dependente do braço escravo, meramente agroexportadora e avessa aos avanços republicanos. Afinal, além de ter sido um dos últimos países do continente a se tornar independente, foi o único que se manteve como uma monarquia, e o único que não aboliu a escravidão. Isso se repetiria várias vezes: na proclamação da República, na revolução de 30, no Estado Novo, no golpe militar em 1964. E, apesar de certos avanços sociais, também com o PT, que, após chegar ao poder, aliou-se a Sarney e a Collor, e teve presidente que andou até visitando Maluf...

2.      Neste dia 7, também começa a ir ao ar uma propaganda que você protagonizará, no papel de "maior historiador do mundo", para a mais bairrista marca de cerveja do Rio Grande do Sul. Como será esse papel?

Será exagerado, histriônico e debochado... como eu mesmo (risos). Sempre achei sensacional a ideia de ironizar essa certeza tão gaúcha de que somos os maiores e os melhores em tudo - que, aliás, eventualmente parece ser levada a sério por certos segmentos da mídia... Desta vez, o tema será a Revolução Farroupilha e eu, vestido como Bento Gonçalves, entro num bolicho para "ensinar" praqueles magrões do Bom Fim a "verdadeira" história da revolta: que nós não apenas a vencemos, "ganhamo de vareio, dando uma tunda nos brasileiro", tudo assim mesmo, sem plural, no mais perfeito gauchês. A gravação foi hilária. E o melhor é que vai estrear neste 7 de Setembro... E ainda no mesmo dia em que Extraordinários volta ao ar. Acho que vou até pedir uma cópia para agência para mostrar pros meus colegas de sofazão como é que se faz história de verdade (risos).

3.      Ao mesmo tempo em que suas obras históricas são sucesso de público, são criticadas por historiadores que apontam uma visão superficial e simplificada dos fatos históricos. Olhando para trás, há algo que você mudaria hoje em seus livros?

Não, não. Sempre achei isso uma falsa polêmica. Primeiro, porque ela nunca veio à tona mesmo para ter um debate. Todos os que eu chamei para o debate, não sei por que, fugiram da raia! Eu até sei: sou um cara de raciocínio rápido, debochado, cínico, controverso. Então o cara vem discutir comigo, está fodido. Mas na verdade os caras recusaram o debate porque não se sustentava. Fui acusado de fazer livros de divulgação. Aí eu disse: "Ah, legal são os de vocês, né, que são de não-divulgação". (risos) Tanto é que os grandes historiadores do Brasil, que admiro e respeito, esses saíram em minha defesa sem eu ter falado com eles. Meus livros têm muito dos méritos do jornalismo: a fluidez do texto, os truques e ganchos para prender a atenção. E quais são os defeitos do jornalismo, que meus livros também têm? Uma inerente superficialidade. Porque tu só consegues a fluidez narrativa se não esmiuçar demais. Para atingir o público que eu queria tinha que ser assim.

Como você avalia a relação do brasileiro com a sua história?

Das mais frágeis, né? Eu fiz um trabalho no History Channel que terminava sempre com a mesma frase, que é um clichê, mas é verdadeiro: povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la. Não é privilégio do brasileiro, mas os uruguaios e argentinos sabem muito mais da sua história do que a gente. Aqui os meus livros são considerados um fenômeno total, e são. Venderam quase 1,3 milhão de exemplares, num país de 200 milhões de habitantes. Ou seja, nós, os letrados, continuamos falando só para nós mesmos. O povo segue ali, do lado de fora...

Depois de 10 anos sem publicar, você já disse que a trilogia Carioca, que está escrevendo, é o projeto mais importante de sua vida. O que os leitores podem esperar desse romance histórico que pretende traçar a biografia do Rio desde sua descoberta, em janeiro de 1502, até a retomada do Morro do Alemão, em 2012?

É a melhor coisa que já fiz na vida. Sinto que todos os livros que eu fiz antes são uma espécie de preparação. Há muitos anos as pessoas sugerem que eu escreva ficção, desde o tempo em que eu era jornalista. Sempre soube que tinha um romance fermentando dentro de mim. E um dia amadureceu. Eu tomo banho pensando em livro a vida inteira. Tenho mais ideias de projetos do que eu possa realizar em três encarnações. E aí um dia veio na minha cabeça essa história do Rio de Janeiro, do nascimento até os dias de hoje. Tive até que me apoiar na parede, porque veio a porra inteira de uma vez. Quase desmaiei! O livro vai ter também uma inovação de estilo, que é uma linguagem diferente para cada período histórico, desde o português falado no século 16 até a gíria estilo Tropa de Elite.

O que a biografia do Rio revela sobre a alma brasileira?

Durante quase 300 anos, o centro das decisões do Brasil foi o Rio de Janeiro, capital do país por 200 anos. Mas antes e depois disso o Rio de Janeiro exerceu o poder. De certa forma, foi capaz de se apoderar do imaginário do Brasil. Porque o Brasil é muito mais africano e nordestino do que carioca. Mas o Rio é tão mágico, em função da sua paisagem - e da ganância especulativa que isso despertou -, que mesmo o Brasil sendo africano, nordestino, amazônico ou sulista, o neguinho diz: ah, o Rio de Janeiro! E o Rio segue ditando modas e comportamentos, desde 1808 para cá.

Se fosse usar a história do Rio Grande do Sul para um romance, o que escolheria? Que período da história gaúcha lhe instiga mais? E que personagem?

Gostaria de escrever uma história similar à Carioca sobre o Rio Grande do Sul, que teria a ver com O Tempo e o Vento, mas em outra linguagem. Sempre fui muito ligado nos charruas e minuanos, e o gaúcho é um personagem inacreditável. Então, se esse lance der plenamente certo, como acho que vai dar, ameaço os gaúchos com um futuro livro sobre eles! E depois me mudo, porque não vou poder ficar aqui (risos).

E teria algum período específico?

Tudo. Desde os charruas. Eu não posso entregar, mas meio que já estruturei, termina com Brizola enfrentando Collor - e perdendo para ele, é claro. Até porque, depois de 1983, não aconteceu mais nada de relevante no Rio Grande do Sul, né. Então termina aí, com o Grêmio campeão do mundo (risos)!

Acho melhor mudarmos de assunto (risos). Após o sucesso da coleção Terra Brasilis e da febre dos livros de história, por que decidiu se dedicar a obras encomendadas?

Foi circunstancial, como tudo na minha vida. Nunca tive um plano de carreira, sempre fiz tudo aos trambolhões. E os livros de história fizeram um sucesso estrondoso, venderam quase 1,3 milhão de exemplares. Eu inventei esse mercado dos livros de história escritos por jornalistas. Sabia que existia uma demanda reprimida para a história colonial do Brasil tratada com um novo olhar. O que eu fiz foi pegar algo que estava aprisionado na sala de aula, que todo mundo achava que conhecia... Pedro Álvares Cabral, descobrimento do Brasil, capitanias hereditárias. Peguei isso e dei uma nova roupagem. Meus livros foram lidos pelo presidente do Brasil e pelo motorista do presidente do Brasil. Digo isso porque quando o Fernando Henrique nos chamou em Brasília, depois de ler os livros, conheci o motorista dele, e o motorista dele também tinha lido.

E por que então, no auge do sucesso, largou tudo para escrever livros encomendados?

Fui convidado pelo FH para escrever a história da Caixa Econômica Federal – e foi o primeiro livro sob encomenda. Peguei só pelo dinheiro, achando que a história era uma porcaria e que o dinheiro era uma maravilha. Aí virou quase o contrário: como era um negócio com o governo, 30% já ficou retido na fonte. Então o dinheiro não era tudo isso, mas a história era maravilhosa. Porque a Caixa foi fundada em 1861 pelo Mauá e pelo D. Pedro II, e eles brigaram por causa da Caixa... o Machado de Assis também foi superligado com a Caixa. Aí com esse livro eu caí nesse mercado institucional, e os caras começaram a me convidar cada vez mais. E com isso criei uma editora, a Buenas Ideias, com o meu irmão, Fernando, e a Ana Adams. E a gente fez 23 livros.

 

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