Uma seleção de perguntas a Peninha
Cristina Maria Rosa
Autor da façanha de vender mais de 1 milhão de
livros recontando a história do Brasil ao estilo jornalístico, na coleção Terra
Brasilis, o escritor Eduardo Bueno volta à carga.
Aos 56 anos, Peninha prepara seu
primeiro romance histórico e afia a língua.
Performático como de costume, o autor fanático pelo
Grêmio e por Bob Dylan não fugiu de polêmicas nas duas horas de conversa no seu
escritório em Porto Alegre[1]. Nas respostas mais
virulentas, inclinava a cabeça até o gravador e repetia aos berros alguma frase
de efeito, recheada de palavrões:
- Será que gravou? -
perguntava, rindo.
1.
Os que os
brasileiros ainda precisam aprender sobre a história do 7 de Setembro? A versão
ensinada nas escolas sobre a Independência corresponde aos fatos?
No instante em que o então príncipe D.
Pedro decidiu desafiar seu pai, o rei D. João VI, e permanecer no Brasil, a
independência já ficou desenhada. Poderíamos estar muito bem festejando hoje
aquele 9 de janeiro de 1822, o dito Dia do Fico, como o momento em que o Brasil
rompeu seus laços com Portugal. Até porque o que aconteceu no 7 de Setembro foi
mera formalidade - embora, curiosamente, sem formalidade alguma, já que o
príncipe estava desarranjado, com uma caganeira... real. No colégio, os alunos
seguem aprendendo a versão cristalizada pelo quadro de Pedro Américo, pintado
60 anos depois, e a pedido de D. Pedro II, mais interessado em
"fabricar" uma versão da história do que em desvendá-la. O importante
seria deixar claro que, naquela ocasião, como em outras, o Brasil sempre mudou
para continuar igual: nesse caso, para se manter uma nação retrógrada,
dependente do braço escravo, meramente agroexportadora e avessa aos avanços
republicanos. Afinal, além de ter sido um dos últimos países do continente a se
tornar independente, foi o único que se manteve como uma monarquia, e o único
que não aboliu a escravidão. Isso se repetiria várias vezes: na proclamação da
República, na revolução de 30, no Estado Novo, no golpe militar em 1964. E,
apesar de certos avanços sociais, também com o PT, que, após chegar ao poder,
aliou-se a Sarney e a Collor, e teve presidente que andou até visitando
Maluf...
2.
Neste dia 7, também começa a ir ao ar uma propaganda que você
protagonizará, no papel de "maior historiador do mundo", para a mais
bairrista marca de cerveja do Rio Grande do Sul. Como será esse papel?
Será
exagerado, histriônico e debochado... como eu mesmo (risos). Sempre achei sensacional a ideia de ironizar essa
certeza tão gaúcha de que somos os maiores e os melhores em tudo - que, aliás,
eventualmente parece ser levada a sério por certos segmentos da mídia... Desta
vez, o tema será a Revolução Farroupilha e eu, vestido como Bento Gonçalves,
entro num bolicho para "ensinar" praqueles magrões do Bom Fim a
"verdadeira" história da revolta: que nós não apenas a vencemos,
"ganhamo de vareio, dando uma tunda nos brasileiro", tudo assim
mesmo, sem plural, no mais perfeito gauchês. A gravação foi hilária. E o melhor
é que vai estrear neste 7 de Setembro... E ainda no mesmo dia em que Extraordinários
volta ao ar. Acho que vou até pedir uma cópia para agência para mostrar pros
meus colegas de sofazão como é que se faz história de verdade (risos).
3. Ao mesmo tempo em que suas obras
históricas são sucesso de público, são criticadas por historiadores que apontam
uma visão superficial e simplificada dos fatos históricos. Olhando para trás, há
algo que você mudaria hoje em seus livros?
Não, não. Sempre achei isso uma falsa polêmica.
Primeiro, porque ela nunca veio à tona mesmo para ter um debate. Todos os que
eu chamei para o debate, não sei por que, fugiram da raia! Eu até sei: sou um
cara de raciocínio rápido, debochado, cínico, controverso. Então o cara vem
discutir comigo, está fodido. Mas na verdade os caras recusaram o debate porque
não se sustentava. Fui acusado de fazer livros de divulgação. Aí eu disse:
"Ah, legal são os de vocês, né, que são de não-divulgação". (risos) Tanto é que os grandes
historiadores do Brasil, que admiro e respeito, esses saíram em minha defesa
sem eu ter falado com eles. Meus livros têm muito dos méritos do jornalismo: a
fluidez do texto, os truques e ganchos para prender a atenção. E quais são os
defeitos do jornalismo, que meus livros também têm? Uma inerente
superficialidade. Porque tu só consegues a fluidez narrativa se não esmiuçar
demais. Para atingir o público que eu queria tinha que ser assim.
Como você avalia a relação do brasileiro com a sua
história?
Das mais frágeis, né? Eu fiz um trabalho no History
Channel que terminava sempre com a mesma frase, que é um clichê, mas é
verdadeiro: povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la. Não
é privilégio do brasileiro, mas os uruguaios e argentinos sabem muito mais da
sua história do que a gente. Aqui os meus livros são considerados um fenômeno
total, e são. Venderam quase 1,3 milhão de exemplares, num país de 200 milhões
de habitantes. Ou seja, nós, os letrados, continuamos falando só para nós
mesmos. O povo segue ali, do lado de fora...
Depois de 10 anos sem publicar, você já disse que a
trilogia Carioca, que está
escrevendo, é o projeto mais importante de sua vida. O que os leitores podem
esperar desse romance histórico que pretende traçar a biografia do Rio desde
sua descoberta, em janeiro de 1502, até a retomada do Morro do Alemão, em 2012?
É a melhor coisa que já fiz na vida. Sinto que
todos os livros que eu fiz antes são uma espécie de preparação. Há muitos anos
as pessoas sugerem que eu escreva ficção, desde o tempo em que eu era
jornalista. Sempre soube que tinha um romance fermentando dentro de mim. E um
dia amadureceu. Eu tomo banho pensando em livro a vida inteira. Tenho mais
ideias de projetos do que eu possa realizar em três encarnações. E aí um dia
veio na minha cabeça essa história do Rio de Janeiro, do nascimento até os dias
de hoje. Tive até que me apoiar na parede, porque veio a porra inteira de uma
vez. Quase desmaiei! O livro vai ter também uma inovação de estilo, que é uma
linguagem diferente para cada período histórico, desde o português falado no
século 16 até a gíria estilo Tropa de Elite.
O que a biografia do Rio revela sobre a alma
brasileira?
Durante quase 300 anos, o centro das decisões do
Brasil foi o Rio de Janeiro, capital do país por 200 anos. Mas antes e depois
disso o Rio de Janeiro exerceu o poder. De certa forma, foi capaz de se
apoderar do imaginário do Brasil. Porque o Brasil é muito mais africano e
nordestino do que carioca. Mas o Rio é tão mágico, em função da sua paisagem -
e da ganância especulativa que isso despertou -, que mesmo o Brasil sendo
africano, nordestino, amazônico ou sulista, o neguinho diz: ah, o Rio de
Janeiro! E o Rio segue ditando modas e comportamentos, desde 1808 para cá.
Se fosse usar a história do Rio Grande do Sul para
um romance, o que escolheria? Que período da história gaúcha lhe instiga mais?
E que personagem?
Gostaria de escrever uma história similar à Carioca
sobre o Rio Grande do Sul, que teria a ver com O Tempo e o Vento, mas em outra
linguagem. Sempre fui muito ligado nos charruas e minuanos, e o gaúcho é um
personagem inacreditável. Então, se esse lance der plenamente certo, como acho
que vai dar, ameaço os gaúchos com um futuro livro sobre eles! E depois me
mudo, porque não vou poder ficar aqui (risos).
E teria algum período específico?
Tudo. Desde os charruas. Eu não posso entregar, mas
meio que já estruturei, termina com Brizola enfrentando Collor - e perdendo
para ele, é claro. Até porque, depois de 1983, não aconteceu mais nada de
relevante no Rio Grande do Sul, né. Então termina aí, com o Grêmio campeão do
mundo (risos)!
Acho melhor mudarmos de assunto (risos). Após o sucesso da
coleção Terra Brasilis e
da febre dos livros de história, por que decidiu se dedicar a obras
encomendadas?
Foi circunstancial, como tudo na minha vida. Nunca
tive um plano de carreira, sempre fiz tudo aos trambolhões. E os livros de
história fizeram um sucesso estrondoso, venderam quase 1,3 milhão de
exemplares. Eu inventei esse mercado dos livros de história escritos por jornalistas.
Sabia que existia uma demanda reprimida para a história colonial do Brasil
tratada com um novo olhar. O que eu fiz foi pegar algo que estava aprisionado
na sala de aula, que todo mundo achava que conhecia... Pedro Álvares Cabral,
descobrimento do Brasil, capitanias hereditárias. Peguei isso e dei uma nova
roupagem. Meus livros foram lidos pelo presidente do Brasil e pelo motorista do
presidente do Brasil. Digo isso porque quando o Fernando Henrique nos chamou em
Brasília, depois de ler os livros, conheci o motorista dele, e o motorista dele
também tinha lido.
E por que então, no auge do sucesso, largou tudo
para escrever livros encomendados?
Fui convidado pelo FH para escrever a história da
Caixa Econômica Federal – e foi o primeiro livro sob encomenda. Peguei só pelo
dinheiro, achando que a história era uma porcaria e que o dinheiro era uma
maravilha. Aí virou quase o contrário: como era um negócio com o governo, 30%
já ficou retido na fonte. Então o dinheiro não era tudo isso, mas a história
era maravilhosa. Porque a Caixa foi fundada em 1861 pelo Mauá e pelo D. Pedro
II, e eles brigaram por causa da Caixa... o Machado de Assis também foi superligado
com a Caixa. Aí com esse livro eu caí nesse mercado institucional, e os caras
começaram a me convidar cada vez mais. E com isso criei uma editora, a Buenas Ideias, com o meu irmão,
Fernando, e a Ana Adams. E a gente fez 23 livros.
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