Liberdade de escolha: quem garante?Cristina Maria Rosa
Dialogando com meus alunos
leitores da UNAPI – Universidade Aberta a Pessoas Idosas da UFPel, neste dia do leitor, travamos um interessante
diálogo a respeito do que são “as melhores” leituras, livros autores, e quem teria
o saber/poder de decisão/orientação.
Cientes de que há agentes
– pais, professores, escritores, leitores, pesquisadores, sábios – a indicar e conduzir
os demais e que “não basta ler qualquer coisa”, concordamos que a qualidade da leitura
que fazemos “depende de quem nos orienta”. Entre nós circulou, também, a ideia
de que “as escolhas dos orientadores deveriam ser baseadas na qualidade e não
na origem do escritor”, pois há obras estrangeiros que são descartadas apenas
por não terem sido escritas na língua pátria.
Na maioria das vezes
o que ocorre? Pergunta uma de minhas interlocutoras. E ela mesmo responde, já
argumentando: “Os jovens detestam o que têm obrigação de ler!”
Querendo saber se os
professores são orientados quanto a isso, a pergunta tocou para mim. Não me
furtei.
Os
professores...
Não conheço a orientação
que é dada aos futuros professores nas Licenciaturas em Letras. Mas sei que, nas
instituições em que se estuda Literatura Brasileira, se ensina o que é
considerado clássico brasileiro. Machado de Assis em diante...
Nas minhas aulas na
Licenciatura em Pedagogia, como a literatura escrita para crianças tem origem
em culturas europeias, o clássico vem "de fora", exigindo que
tenhamos mais amplitude ao tratar o que é o cânone. Consequentemente, menos
preconceito em reconhecer que literatura, desde que de qualidade, não importa a
origem...
Eu pergunto: no
Brasil, temos bons escritores? Quem pode responder? Quem leu tudo o que foi
produzido no mundo e pode atestar que a nossa literatura é boa?
É por isso, por não
conseguir, em uma vida, ler tudo o que já foi escrito que nós, reles mortais,
precisamos de ajuda. E o que é ajuda? Ajuda são obras escritas por renomados
leitores que indicam...
Exemplo: Uma rede de casas encantadas, de Ana
Maria Machado, a reunião de melhores contos, poemas, fábulas de um país como Os 100 melhores contos de humor da literatura
universal, organizado por Flávio Moreira da Costa, o livro Por que ler os clássicos, de Italo
Calvino, Contos e Poemas para crianças
extremamente inteligentes de todas as idades, de Harold Bloom, Como e por que ler os clássicos universais
desde cedo, de Ana Maria Machado, entre outros.
O
que é o melhor e para quem?
Essa pergunta, vinda
de outro de meus interlocutores, põe em xeque o cânone ou o que especialistas
indicam como cânone. Afinal, quem tem a prerrogativa de decidir o que realmente
devo ler?
Ao pensar em
responder, lembrei-me de uma reportagem que li a respeito dos livros indicados
ao vestibular. Nela, um “especialista” dizia que bom mesmo é aquilo que gosto.
Pensei um pouco mais e recordei de filósofo brasileiro, vivo, que diz que nosso
tempo é curto, então, não devemos perder tempo lendo o que não é bom. Eu gosto
dessa ideia: ler só o que é bom. Mas como saber, antes de abrir um livro?
Na Universidade, um
de meus trabalhos mais intensos é na formação de novos leitores. Então, o gostar
de ler, às vezes, se sobrepõe ao "o que ler". Quando o diálogo é com leitores
maduros, "o papo" é outro e podemos explorar mais os critérios do que
é considerado bom...
O que observo, mesmo
entre pares, é que a maioria não sabe o que é "formar um leitor".
Isso não é um demérito. Mas deve ser um desafio.
Alfabetizar literariamente é parte de um processo delicado, e poucos, realmente, conseguem ter êxito quando se propõem.
Fim de papo...
Ao fim de nosso diálogo, um de meus interlocurtores, escreveu:
Penso que a
literatura tem suas nuances para cada pessoa. No meu caso, nunca tive vontade
de ler Biografias, mas ganhei a do Getúlio Vargas e gostei. Fui buscar em
livros guardados e encontrei a sequência com outro autor e estou lendo. Devemos
estar abertos para todas as possibilidades e leituras que deem satisfação,
independente da critica ou opinião de A ou B. Penso que os jovens não podem se
tornar leitores só quando vão fazer vestibular, tem que começar muito antes...
Esse tempo, o “antes
de ser adulto”, é realmente importante na formação de leitores. Alguns pensam
que “as pessoas têm que ler o que faz bem para as suas almas” e que “deveria
ser um direito constitucional” o acesso ao prazer da leitura.
Mas, como considerou
um de nós, para encerrar o papo: “Quando tu estás estudando para o vestibular,
nem alma tu tens!”.
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