Livros para a primeira infância: sugestõesCinara Tonello Postringer;
Paloma Evelise Wiegand
Cristina Maria Rosa
O foco da investigação foi conhecer quantas há e quais são as obras
literárias indicadas a serem lidas para bebês entre zero e quatro anos
disponíveis no acervo da SLEV – Sala de Leitura Érico Veríssimo. A investigação
está sendo desenvolvida desde março de 2019 e justifica-se pela necessidade de
delimitar um corpus adequado à Alfabetização Literária de crianças que
frequentam escolas públicas no Município de Pelotas, uma das atividades do PET
Educação.
A primeira infância é uma fase muito importante para o crescimento
da criança e, quanto melhores forem, as circunstâncias de vida durante este
período, maiores serão as probabilidades de que ela se torne um adulto mais
equilibrado, produtivo e realizado. A alfabetização literária pode ser
entendida como um processo de “apresentação da literatura a todos” e, de acordo com ROSA (2019),
significa que a formação do gosto por ler literatura é um processo que não pode
ser aleatório, eventual e desprovido de critérios.
Para Debus (2015), os critérios de seleção de livros literários
destinados a crianças “levam em consideração, na maioria das vezes, os estágios
de desenvolvimento infantil, obedecendo à faixa etária ou à faixa escolar do
leitor”. A pesquisadora informa que, quando se trata de crianças pequenas,
entre zero e seis anos de idade, “existem algumas especificidades nos critérios
que orientam o acesso e a escolha dos livros” e que eles são importantes por
dois motivos: a maior parte das crianças ainda não está no espaço escolar e é
uma leitora em formação.
Para Abramovich (1997), a literatura tem linguagem fluida e aborda
os problemas de modo discursivo e indica critérios a serem adotados quando da
escolha de obras, entre eles, ter como princípio que a formação do leitor
inicia pela audição de muitas histórias, escolher inicialmente histórias curtas
e bem humoradas, inteligentes, criativas, que surpreendem e investir na escolha
de obras a serem lidas pelos leitores, observar de forma crítica como os
personagens são representados nas ilustrações, especialmente os pobres, as
mulheres, os indígenas, japoneses e negros, as mães, tias e professoras. Além
disso, considera importante priorizar a presença de humor, o deboche saudável,
a ironia, o nonsense, a presença de personagens nada comuns e preferir obras
com presença da lógica da criança. Abramovich também argumenta pela inserção da
poesia “boa, bem escrita, que mexe com a emoção, que nos aguça, que nos deixa
um pouco diferente depois de cada verso”, propor obras que oferecem informação
e verdade, pois “entender o processo de como nascemos até quando morremos faz parte
natural da curiosidade da criança” e ler integralmente os “Contos de Fadas”
pela abordagem do amor em todos os seus prismas: descoberta, encanto,
possibilidade, entrega, plenitude, sofrimento, angústia, injustiça, tristeza,
obstáculos, dúvidas, identidade, rejeição, perdas, esquecimentos, revelações de
sexualidade, da vida e da morte.
Para Nelly Novaes Coelho (1993) a categoria leitora está vinculada
a três fatores: “idade cronológica, nível de amadurecimento
biopsíquico-afetivo-intelectual e grau ou nível de conhecimento/domínio do
mecanismo da leitura”. Assim, indica compor um acervo a partir da seguinte
divisão: 1) pré-leitor (primeira infância que inclui bebês dos 15/17 meses aos
3 anos e, segunda infância, com crianças a partir dos 2/3 anos); 2) Leitor
iniciante ou crianças a partir dos 6/7 anos; 3) Leitor em processo ou crianças
a partir dos 8/9 anos; 4) leitor fluente ou criança a partir dos 10/11 anos e
5) leitor crítico, já um pré-adolescente a partir dos 12/13 anos.
Para Maria Betty Coelho Silva (1991), devem ser respeitadas as
peculiaridades e os estágios emocionais das crianças na escolha dos livros.
“Alimento da imaginação”, as histórias precisam respeitar a “estrutura
cerebral” infantil. A autora faz um quadro demonstrativo de interesses, no qual
divide os leitores em pré-escolares e escolares. E divide os pré-escolares em
duas fases: a pré-mágica (crianças até três anos) e a mágica (crianças de três
a seis anos). Aconselha para os primeiros, histórias de bichinhos, brinquedos,
objetos, seres da natureza (humanizados), história de crianças. Para os demais,
histórias de repetição e acumulativas, além de histórias de fadas.
Pouco estudados no século XX, esse grupo de leitores em formação
(bebês em sua maioria não escolarizados) eram pouco visados pelas políticas
públicas e pela indústria do livro. O comum é que Editoras criassem brinquedos
que imitavam livros como os de pano, de borracha, de plástico e outros
materiais resistentes ao tato, ao gosto, à água, à falta de traquejo das mãos
infantis. Em fins do século XX e início do XXI, a presença intensa de bebês nos
berçários e escolas infantis desencadeou estudos com o intuito de prescrever
quais seriam os livros que poderiam ser utilizados na alfabetização literária
dessas crianças. Para Abramovich (1989), Coelho (1993) e Silva (1991), deveriam
ser livros lidos por adultos para as crianças, ilustrados, bem humorados,
poéticos. E deveriam conter histórias sobre bichos, brinquedos, objetos, seres
da natureza, histórias de repetição e acumulativas. Obras com predomínio da
fantasia como contos de fadas, mitos, lendas e fábulas e atitudes como o
desenvolvimento da apreciação critica da leitura são recomendados. Pouco texto,
muita gravura, cor e, em alguns casos, sons também foram sugeridos e apareceram
no mercado. Livros de panos, livros-brinquedos e somente de imagens aparecem
com frequência nos catálogos de Editoras, indicando que o mercado é eficaz em
enganar o consumidor.
Rosa (2019) argumenta que a criança pequena não pode ser
subestimada e sugere que a leitura pode ter início assim que ela ficar ereta,
sentada no colo do adulto, na cadeirinha ou no “bebê-conforto”. Para tal, o
leitor (mãe, irmão mais velho, professora, cuidadora) deve escolher um
excelente texto que pode ou não ser ilustrado. A autora defende que durante a
leitura do texto escolhido, o som da voz e os ritos da leitura (escolher, abrir
folhear, indicar imagens, fechar, guardar) são formadores desse leitor em
potencial, tornando a leitura “de verdade” e não apenas imitação ou distração.
Para a autora, o livro não é um brinquedo: é o artefato mais importante da
cultura escrita e a leitura seus atributos e sentidos podem ser adquiridos
desde tenra idade.
A pesquisa...
A pesquisa em acervos integra-se à abordagem qualitativa, embora
conhecer a quantidade de obras em um acervo seja considerado um procedimento
quantitativo. Assim, a investigação que estamos realizando pode ser considerada
uma mescla entre as duas abordagens. A metodologia de pesquisa é descrita por
Minayo (2002, p. 16) como a confluência de “concepções teóricas de abordagem”,
“conjunto de técnicas” que possibilitam a observação e análise da realidade e a
influência do “potencial criativo do investigador”. Para a autora, a pesquisa
qualitativa “responde a questões muito particulares” e se preocupa com “um
nível de realidade que não pode ser quantificado” (MINAYO, 1994, p. 21). De
acordo com essa abordagem, optamos por procedimentos que, primeiro, sustentassem
teoricamente a investigação. Assim, conceituar infância e alfabetização
literária foi primordial. Logo depois critérios de escolha de obras adequadas
às crianças nesta faze foram explorados em uma revisão de bibliografia.
Para realizar a investigação que tem como foco conhecer quantas há
e quais são as obras literárias indicadas para bebês entre zero e quatro anos
disponíveis no acervo da SLEV, em um segundo momento o procedimento foi
inventariar o acervo considerando a quantidade de obras e seus temas/títulos,
ou seja, considerar o aspecto quantitativo na coleta de dados. O intuito foi
delimitar um corpus adequado à Alfabetização Literária de crianças entre zero e
seis anos que frequentam escolas públicas no Município de Pelotas, ou seja,
compor uma lista de obras interessantes, propícias, representativas de
diferenciados gêneros, entre outros aspectos, para o trabalho de leitura na
escola.
Logo depois, investimos em: a) selecionar um grupo de indicados aos
pequenos, entre zero e seis anos de acordo com os critérios desenvolvidos por
Nelly Novaes Coelho (1993) e Maria Betty Coelho Silva (1991); c) ler todos os
selecionados; d) categorizar as obras quando aos critérios de ROSA (2018); e)
Compor a lista referencial de literários para a primeira infância; f) escrever
as conclusões.
Alguns resultados...
A aquisição de obras que deram início ao acervo iniciado em 1995,
foi inspirada nos critérios desenvolvidos por Fanny Abramovich (1989) e Nelly
Novaes Coelho (1993). Para as autoras, a criança que se encontra na primeira
infância (entre zero e seis anos) é o potencial leitor ou pré-leitor. Com a
formação adquirida em 24 anos de estudo na área, o desenvolvimento de práticas
de leitura com pequenos, a profusão de novos autores e ilustradores mais as
profundas modificações no Mercado Editorial, a professora Cristina Rosa afirmou
que, atualmente, a SLEV abriga e disponibiliza seis acervos: a) Livros sobre a
Literatura e seu ensino; b) Obras de Literatura Universal, como Poesia Completa
(Cecília Meireles) e Obras Completas (Jorge Luis Borges); c) Obras de
Literatura Infantil (maior acervo, possui em torno de 1200 títulos entre
Clássicos e Modernos, com ênfase para os brasileiros; d) Obras de Literatura
Infanto-Juvenil, uma Gibiteca e uma coleção de banners, que apresenta a
história da sala.
Descobertas...
E o que descobrimos quando inventariamos o acervo composto por
Obras de Literatura Infantil? Do montante (1200 livros), selecionamos os cem
livros mais instigantes. São textos literários, parte em prosa, parte em verso,
alguns híbridos, a maioria ilustrados e com pouco texto. Entre eles estão: 1. A
coleção Miolo Mole, de Eva Furnari; 2. Toda a obra infantil de Erico Verissimo
(A Vida do Elefante Basílio, As Aventuras do Avião Vermelho, Rosa Maria no
Castelo Encanteado, Os três porquinhos pobres, Outra vez os três porquinhos e O
urso com música na barriga); 3. A poesia de diversos autores, entre eles,
Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo), Chico Buarque de Olanda, Carlos Drumond
de Andrade, Gonçalves Dias, Henriqueta Lisboa, José Paulo Paes (É isso ali),
Mario Quintana (Lili inventa o mundo, Sapato Florido, Sapo Amarelo e Pé de
Pilão) Olavo Bilac e Vinícius de Moraes (A arca de Noé); 4. A Coleção
Familiares, de Nelson Albissu (Mães e Pais, Tios e tias, Avôs e avós...); 5. A
coleção Série Fantástica de Leila Luri Bergman; 6. Títulos imperdíveis como A
Velha, a mosca e a narrativa de Cristina Maria Rosa; A zeropéia de Herbert de
Souza; De letra em letra de Bartolomeu Campos de Queirós, O Rato roeu a roupa,
de Ana Maria Machado e Vamos brincar com as palavras, de Lúcia Pimentel Góes.
Concluindo...
Com a pesquisa pudemos perceber que, no passado, quando se abordava
a temática da infância em casa e na escola e os livros indicados a estas infâncias,
não havia consenso e nem mesmo critérios para orientar pais e professores. Com
o advento das teses sobre o tema, iniciados pelo trabalho de Nelly Novais
Coelho no Brasil, todos ganharam: as crianças, os professores, as escolas, os
cursos de formação de professores, as bibliotecas, as editoras e até mesmo as
políticas públicas. Não basta mais apenas ler. O que ler, como, qual livro e
quando integram os saberes acerca da leitura para os pequenos. Dada a
importância do assunto, é preciso desenvolver saberes mais profundos,
especialmente nos cursos de formação de professores, uma vez que é essa
profissão a responsável por alfabetizar literariamente na sociedade.
Salientamos que o conhecimento gerado ao longo de uma vida dá-se coletivamente,
principalmente se estivermos falando de uma atividade cognitiva exclusiva da
espécie humana.