quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Sala de Leitura Erico Verissimo – Dezembro de 2015 a junho de 2024


 UFPel

Faculdade de Educação

Projeto de Extensão 277/COCEPE 22/06/2017

Sala de Leitura Erico Verissimo

Cristina Maria Rosa

Pedagoga/Doutora em Educação

Coordenadora da SLEV

 

 

RESUMO: A SLEV – Sala de Leitura Erico Verissimo – foi criada e inaugurada em 17/12/2015 nas dependências do ICHS/UFPel. Registrada como Projeto de Extensão no COBALTO em 02/01/2017, teve sua aprovação pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – COCEPE da UFPel – em 22 de junho de 2017. O intuito foi promover a leitura literária no espaço acadêmico e desenvolver micropolíticas de leitura literária entre a comunidade em geral como visitas guiadas para conhecimento do acervo e do espaço, cursos livres, saraus literários, pesquisas sobre o livro e a literatura e aulas em ambientes não convencionais. Em homenagem ao escritor Erico Verissimo (nascido em 17 de dezembro de 1905), funcionou entre 17 de dezembro de 2015 e 28 de junho de 2024 sob a coordenação e supervisão da Drª. Cristina Maria Rosa (Docente na FaE/UFPel) e com o trabalho de estudantes da Licenciatura em Pedagogia. A SLEV abriga cinco coleções em seu acervo, adquiridas com recursos públicos e oriundos de doações. São eles: a) Coleção sobre a Literatura e seu ensino. b) Coleção Literatura Universal; c) Coleção de Literatura Infantil; d) Coleção Literatura Infantojuvenil; e) Coleção de Banners contendo a história do GELL – Grupo de Estudos em Leitura Literária, grupo responsável pela proposição, organização e manutenção da SLEV.

 

Sala de Leitura Erico Verissimo – Dezembro de 2015 a junho de 2024

Objetivo Geral

Com o intuito de promover a leitura literária no espaço acadêmico e desenvolver micropolíticas de leitura literária entre a comunidade em geral como visitas guiadas para conhecimento do acervo e do espaço, cursos livres, saraus literários, pesquisas sobre o livro e a literatura e aulas em ambientes não convencionais, a SLEV teve início em 17 de dezembro de 2015.

Justificativa de criação da SLEV

Pesquisadora da área da leitura literária, a Doutora Cristina Maria Rosa colheu, entre docentes de ensino superior, professores nas escolas, bibliotecários e alfabetizadores, uma unanimidade quanto à fragilidade dos conhecimentos literários de estudantes. O consenso afirmava que estes eram conhecedores de um repertório muito restrito acerca de gêneros, obras e autores de literatura, além de poucos possuírem acervos em suas residências. Este saber, de modo contundente, indicou à pesquisadora que a escola e nelas, as bibliotecas, em especial, seriam fonte de informação, variedade e qualidade possível de ser acessada. Na Universidade, no entanto, em função das bibliotecas com caráter científico e setorial, a diversidade é substituída pela especificidade e profundidade, tornando o acesso a obras de caráter literário restrito. Desse modo, justifica-se plenamente a existência de uma Sala de Leitura, cujo foco é a leitura literária a ser ofertada indistintamente aos estudantes e, ao mesmo tempo, como fonte de pesquisa e ensino.

Descrição

A Sala de Leitura Erico Verissimo foi criada em 2015 e é um espaço destinado à leitura literária. Localizada na Sala 04 do Instituto de Ciências Sociais e Humanas da UFPel (Rua Alberto Rosa, 154, Bairro Porto, Pelotas, RS). Com aproximadamente 9 metros quadrados, o acervo abriga cinco coleções que foram sempre disponibilizados para leitura local. Atendeu prioritariamente estudantes de ensino superior que circulam, nos três turnos, no ambiente acadêmico. De forma mais ativa, abriu suas portas para visitas guiadas e para públicos especiais. Sua proposição teve como objetivo primordial promover a leitura literária no espaço acadêmico e foi responsável por propor e desenvolver micropolíticas de leitura. Entre elas, visitas guiadas para conhecimento do acervo e do espaço, cursos livres – como o Mediadores em Leitura Literária que foi ofertado à comunidade no período de recesso acadêmico da UFPel –, saraus literários, pesquisas sobre o livro e a literatura e aulas em ambientes não convencionais como o corredor em frente à sala – térreo do ICSH/UFPel. Inaugurada em 17/12/2015, a sala foi criada e teve a supervisão da Pedagoga e Doutora em Educação Cristina Maria Rosa (FaE/UFPel) e contou com o trabalho de estudantes, bolsistas e colaboradores[1] Licenciatura em Pedagogia. A cada semestre, ofereceu uma grade de horários em que poderia ser visitada/usada, priorizando os momentos livres dos estudantes, como o intervalo entre turnos, por exemplo.

A SLEV abriga, e seu acervo, cinco coleções adquiridas com recursos públicos e/ou oriundos de doações, que ficaram sob a guarda intelectual da professora Cristina Rosa até 28/06/2024, e, também, móveis e adereços adequados a sua função, doados e pertencentes à UFPel. O acervo da SLEV, entre 2015 e 28 de junho de 2024[2], foi composto por:

1.      Livros sobre a Literatura e seu ensino;

2.      Obras de Literatura Universal;

3.      Obras de Literatura Infantil;

4.      Obras de Literatura Infanto-Juvenil;

5.      Banners registrando a história do GELL.

 

Ação destaque da SLEV:

Além de manutenção e disponibilização do acervo para estudos, pesquisas e projetos de leitura literária, uma importante ação foi o projeto de restauração de bibliotecas escolares. O primeiro foi desenvolvido na Biblioteca na Escola Estadual de Ensino Fundamental Fernando Treptow, em 2016. Realizada entre os meses de abril a novembro e tendo como foco o restauro e a proposição de uma política de uso do acervo, foi entregue à comunidade Escolar em 25/11/2016 e, desde então, vem sendo utilizada para cursos, aulas, pesquisas, visitas guiadas, estudos de acervo e eventos literários.

 

Metodologia

A metodologia empregada no uso da SLEV, desde 2015 até junho de 2024 foi a abertura da sala aos usuários, o registro de suas presenças no local, a disponibilização dos acervos, indistintamente, a organização de visitas guiadas a grupos como bibliotecários, escolas, prefeituras, secretarias de educação, professores, pesquisadores. Além disso, a SLEV ofertou cursos periódicos e eventos de letramento eventuais como saraus, minicursos, oficinas, leituras, espetáculos, todos no campo da formação do leitor. Ainda, como metodologia de trabalho da Coordenadora, na SLEV houve consultoria acerca da instalação, restauro, adequação e uso de bibliotecas escolares, orientação de trabalhos de estudo e pesquisa sobre o livro e a literatura e o desencadeamento de micropolíticas de leitura literária em escolas e na sociedade.

Resultados esperados/conquistados

Entre os resultados conquistados nesse tempo (17/12/2015 a 28/06/2024), a SLEV tem como mérito a ampliação do público leitor entre os estudantes do ICSH/UFPel, a formação de leitores literários, a periodização dos programas eventuais ofertados, a ampliação do acervo e a institucionalização da Sala da Leitura na estrutura organizacional da UFPel.

 

 

___________________________

Cristina Maria Rosa

Pedagoga

Doutora em Educação



[1] Entre os estudantes envolvidos neste tempo de existência da SLEV estiveram Cinara Tonello Postringer, Claudia Barbosa Pereira Sousa, Érica Machado Leopoldo, Iêda Maria Kurtz de Azevedo, Leonardo Capra, Rafaela Canez Camargo, Renata Behling De Mello, Tamires Lacerda Machado (Licenciatura em Pedagogia) e Alex Sandro Chagas Nunes e Roselaine Lima (Letras/UFPel). Entre colaboradores, Beatriz Helena Da Rosa Pereira, Daniela Pires Moreira De Castro, Márcia Duarte De Souza, Nanin Loustau Oyambure e Roberta Bohns Tavares.

[2] Na coleção A Literatura e seu ensino estão assentadas obras como A Literatura em Perigo (Tzvetan Todorov), Crítica, Teoria e Literatura Infantil (Peter Hunt), Das leituras ao letramento literário (Graça Paulino), Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices (Fanny Abramovich), Literatura Infantil: Teoria, Análise e Didática (Nelly Novaes Coelho), Uma história da leitura (Alberto Manguel) e Uma rede de casas encantadas (Ana Maria Machado); Na Coleção Literatura Universal, há Poesia Completa (Cecília Meireles) e Obras Completas (Jorge Luis Borges); Na Coleção Literatura Infantil há clássicos de Perrault, Grimm e Andersen e títulos de obras modernas, com ênfase para autores brasileiros como Lobato e Verissimo; A Coleção Literatura Infantojuvenil, é composta por 30 títulos oriundos dos concorrentes ao PNBE/2015-2016, entre eles, Policarpo Quaresma (HQ), de Lima Barreto. Na Coleção de Banners há o registro de cursos e eventos promovidos pela sala e a história do GELL – Grupo de Estudos em Leitura Literária, responsável pela proposição, organização e manutenção da SLEV.

SALA DE LEITURA ERICO VERISSIMO: UM DOCUMENTO

 


UFPel

Faculdade de Educação

Projeto de Extensão 277/COCEPE 22/06/2017

Sala de Leitura Erico Verissimo

Cristina Maria Rosa

Pedagoga/Doutora em Educação

Coordenadora da SLEV

 

  


SALA DE LEITURA ERICO VERISSIMO:

UM DOCUMENTO

 

 Declaro, com emoção e espírito público, que, no dia de hoje, 19 de julho de 2024, estou entregando o acervo da SLEV – sob meu abrigo intelectual ente 17 de dezembro de 2015 até 28 de junho de 2024 –, às Pedagogas/Professoras Heloisa Helena Duval de Azevedo e Rose Adriana Andrade de Miranda, ambas lotadas na Faculdade de Educação da UFPel. Em anexo, um documento que descreve suscintamente a proposição, ações e conquistas da Sala de Leitura Erico Verissimo no tempo em que a coordenei.

 

 

Pelotas, 19 de julho de 2024

 

 

 

 

_________________________________

Cristina Maria Rosa

Pedagoga/Doutora em Educação

Coordenadora da SLEV

Gestão 17/12/2015 – 28/06/2024

 







quarta-feira, 6 de março de 2024

Passos, de Alessandra Steilman

   


Passos

Alessandra Steilman

 

Primeiro eu esperei no mesmo lugar, onde você sempre soube que me encontraria, depois dei passos para trás, foi necessário me afastar. Mas não porque perdi o interesse, o sentimento, ou por não sentir falta, mas sim porque era doloroso demais ver você de longe não se interessando, não se esforçando e o pior, provavelmente não sentindo. Não era pra ser. Dizem. Mas o problema é que eu me doei, senti e me empenhei para que fosse. Eu tive fé que seria, e não será mais. Nunca mais. E dói.

Inclusive, o sentimento ainda existe e não importa o quanto eu possa ter sofrido em vão ou me magoado porque quando você ama e é leal à alguém você o ama com todas as feridas, incêndios, traumas e defeitos. Sempre se vê além. Em um amor real você assume o risco, e continua até onde for possível aguentar. O amor é real, mas exige empatia e coragem.

Eu queria que não fosse assim para seguir, queria que existisse um botão de liga e desliga, facilitaria a minha cura e amenizaria a saudade que salta do nada no meio do meu dia. Malditos gostos parecidos, malditas manias que peguei de ti e maldita vontade de te ter por perto.

Há dias em que acho que a superação está há poucos passos do fim, em outros dou três passos pra trás e eu não sei até quando isso vai, eu não sei quanto vai durar.

Estou tentando fazer o que acredito ser o certo, mas meu coração nem sempre concorda e eu vivo em constante conflito comigo mesma, pois apesar das minhas dores quero que saiba que eu não tenho remorso, que eu não quero que você sofra, que eu continuo aqui para quando estiver difícil suportar o peso do mundo ou quando sua mente estiver te fazendo acreditar que você é um vilão de novela mexicana (você não é) e eu não quero mesmo que se esqueça do tempo em que fomos nós. Quero que lembre com carinho, assim como eu. Essa é a direção dos meus passos, e eu espero (quase sonhando) que dos teus também.

VOA

Eu olho para a tela do celular esperando que chegue uma mensagem de um número estranho. Apaguei teu contato, então na verdade espero uma mensagem sua. Mas não qualquer mensagem... uma daquelas dizendo que ainda tem na memória as coisas que você costumava elogiar em mim, que lembra das nossas conversas profundas, que sente falta das minhas palavras, mas mais ainda da minha presença ao teu lado. As mensagens não vão chegar, estou certa que essa não é uma daquelas histórias que terminam com um "felizes para sempre". Não há como negar que tivemos tempo para tentar. Não existe dúvida, era o limite, o fim. Eu não sei mais se isso é bom ou ruim, ter insistido tanto só fez aumentar a saudade e as frustrações. Tanto esforço para quê? Para se sentir um trapo que precisa deixar ir todas as expectativas que você alimentou em mim? Como eu faço isso? Eu tento me distrair, mas além das lembranças, você também deixou o medo de me envolver de novo. Porque contigo foi assim sem querer, em um piscar de olhos o sentimento já tinha tomado conta. Me sinto perdida. Marco compromissos que tenho medo de ir. Eu sempre fui coragem. Algo aqui dentro está fora do lugar. Não me reconheço. Preciso entender o que está acontecendo. Preciso me curar, mas nem sei bem o que quebrou. Só sei que estou em cacos. A minha última esperança é conseguir fazer um mosaico bonito e colorido, que me faça acreditar novamente, me lembre quem eu sou. E que fique lindo quando eu recuperar a luz que foi se apagando com a tua indiferença.

 

A COR DA DOR E O MAR (OU CONTINUA)

Vestiu-se da cor

De sua dor

E a noite bonita

Pedia passos na areia

Queria que a dor

Não fizesse lembrar

Queria que a dor

Não tivesse cor

Vestiu-se também

Do tempo que a dor existe

Em seu vestido longo e preto

Quis sentir o mar

A noite, por coincidência

Pintou o mar da mesma cor

Que a cor da dor que sentia

A areia molhada, a onda sussurra

Mais perto, mais perto

A onda vem fria nas pernas

Mas não é incomodo

É o consolo da praia

Aos poucos a dor se funde

Com a cor escura do mar

E não é mais apenas a cor

Que une o mar e a mulher

São os mistérios que escondem

Os monstros que abrigam

E a imensidão de ser

Que os faz ter tanta vida

A onda vem fria nas pernas

Mas volta levando areia e a dor

Uma, duas, três vezes... Tudo se foi

Consolada, se despede da praia

Ela se esforça buscando palavras

O verso de seu poema preferido

Emerge em sua mente:

"Mas o coração continua"

A cor não carrega mais dor.

E a mulher, mais uma entre tantas vezes

Continua.

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Ainda somos e vivemos como nossos pais?

 


Síndrome da Raposa

Guilherme Guiraldelli Moreira[1]

Nessa vida já fui de tudo. Desde criança, eu já permitia meus devaneios e criatividade exacerbada. Na infância fui tudo que a mente me permitiu enquanto vivia com pessoas que não entendiam o que se passava na minha cabeça. Delas eu tinha pena, por serem limitados e não entender o quão extraordinário era o que minha imaginação podia criar...

Enquanto vivíamos nesse sistema imposto, corrupto e malhado, antes mesmo de eu nascer... Já dizia Cazuza! Outra que dizia era Elis. E como ela dizia! Pena mesmo é só entender Elis depois de adulto. Imagina o quão extraordinário minha imaginação poderia ter criado na infância?

Voltando no que ela dizia, mesmo que crescemos e conseguimos ter atitudes distintas de quem nos criou, ainda somos e vivemos como eles. Um outro que escreveu sobre isso foi Vygotsky. Para ele, a fonte primária da formação da pessoa é onde uma criança cresce. Para contribuir, li Foucault que menciona os corpos transformados na medida em que os reguladores da sociedade têm necessidades. Pena, de verdade, é isso: eu demorar tanto tempo para ter esse conhecimento. Imagina o quão extraordinário minha imaginação poderia ter criado sabendo disso tudo...

Mas tá tudo bem. Poderia ter sido, mas foi melhor assim. Se muita gente já não me compreendia com as parcas informações que eu tinha, poderia, com estes outros saberes, parar em um manicômio, apenas por ter acesso a esse saber. Não tenho dúvidas! Eu conheço esse pessoal há quase 35 anos dessa existência. E quer saber? Foi melhor assim!

Eu fui crescendo, como nossos pais, assim eles como nossos avós, e assim por diante. Fui moldado e adocicado para me "encaixar" na sociedade, porém minha imaginação e criatividade continuaram na ativa. Para que bens materiais fossem garantidos ao usufruto da família, eu precisei trabalhar, quando na minha infância foi necessário contribuir. Se eu pontuar o tanto de atividades remuneradas que desenvolvi, dá para esgotar caracteres em uma mensagem de WhatsApp e eu não me lembrar de todas. Mas na verdade, o que realmente importa, é que quando eu estava no desempenho de minhas funções, minha imaginação extraordinária estava me projetando para fora daquele sistema. Pensa numa capacidade incrível de arquitetar planos...

Pois bem, minha mente e imaginação planejam diariamente tantos sonhos, desejos, tantas metas a conquistar...

Não significa que não estou satisfeito com o que tenho e vivo. Significa que eu tenho a esperança que tudo pode melhorar. Tanto para mim, quanto para a humanidade no geral. E mesmo compreendendo as infinitas possibilidades do incerto, eu prefiro cocriar na minha imaginação, essa possibilidade incrível que ainda há de ser...

Enfim, eu só apresentei estes fatos até o momento, para dar contexto e justificar o laudo de um transtorno que eu acabo de descobrir que tenho. Esse transtorno ainda não foi catalogado pela comunidade científica, nem possuí estudos sobre, ou tratamento indicado. Eu acabo de descobrir e cunhar o transtorno. Deixo registrado, caso algum dia, alguém venha a apresentar estereotipias semelhantes. Batizei este transtorno de Síndrome da Raposa. O nome deriva da personagem Raposa, presente na obra O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry.

Essa raposa também diz muita coisa, viu...

Uma das coisas que ela diz é sobre como cativar e também ser responsável por aquilo que ativa. E é isso que caracteriza a síndrome – que por sinal, possui semelhanças com o Complexo de Electra e, também, com o complexo de Édipo[2].

A título de curiosidade, eu só conheci o livro do pequeno príncipe e a personagem da raposa há menos de 10 anos. Imagina se houvesse ocorrido antes o que minha imaginação extraordinária da infância teria sido capaz de fazer...

Percebendo algumas trajetórias que se repetem desde a infância, cunhei o termo. Tudo surge de um devaneio de entender os círculos e ciclos da minha vida enquanto, parafraseando Maria Rita, percebo as repetições da vida na estação. Diariamente. Talvez o transtorno poderia se chamar de "Síndrome da Raposa Perdida", ou então, "Síndrome da Raposa de Maria Rita". Acho melhor explicar o que acontece comigo, a repetição de padrões e cabe a você decidir um nome melhor qualificado.

É assim:

Tudo começa com você (não você leitor, mas sim você, a pessoa a quem dedico minha atenção quando estou em momentos de crise). Você tem vários nomes, várias idades, vários gêneros, várias sexualidades, várias etnias. Você nunca é uma pessoa só, você apresenta alteridade conforme a vida vai/foi passando.

Agora percebi que eu carrego essa síndrome desde criança, auxiliada por minha imaginação extraordinária e ela está comigo até hoje. O que muda é o tempo de duração das crises. Lembra que na história do pequeno príncipe a raposa ensina a cativar e aponta a responsabilidade sobre esse cativar?

Acompanhe minha situação:

Na minha infância, por volta dos 4 a 5 anos, eu me encantei por você. Uma moça que, apesar de ter 15 anos, era por mim completamente admirada. Eu fazia de tudo para cativar sua atenção, queria estar presente, ser necessário na sua vida. Até que eu me mudo do bairro e nunca mais te vejo. Fico sem poder sentir o que sentia.

Minha segunda crise foi aos 9 anos. Você se apresenta de uma forma "inalcançável" para mim. Mesmo sabendo da nossa diferença social, eu começo a te admirar, cultivar um encantamento por você e, tentando me fazer necessário na sua vida, investi em inúmeras tentativas de cativar sua atenção! Até que em determinado dia, o ensino fundamental chega ao fim e cada um de nós segue sua vida. Mais uma vez eu não disse o que sentia.

A próxima crise, se apresentou em meados do primeiro ano do ensino médio e durou três anos. Dessa vez, você é uma garota enigmática, fala de magia, bruxaria e energias. Você se torna meu alvo de adoração. Eu te idolatro, cultivo admiração, faço de tudo para estar perto, tento cativar sua atenção, ser necessário! Dessa vez, tento fazer algo diferente e me declaro para você! Ao não corresponder ao que disse que sentia, ao recusar receber minha atenção, você partiu meu coração. Não pela recusa, mas pelas palavras duras e sem empatia que utilizou para recusar o que eu gostaria de te dar. Essa crise demorou a ser superada.

Contudo, o tempo passa, eu estou com quase 22 anos e você entra novamente na minha vida. Dessa vez é um homem, dois anos mais velho que eu. O que começo a sentir por você despertou coisas que até então eu fazia de tudo para esconder. Novamente quero estar perto, novamente tento cativar sua atenção, dessa vez me declaro a você e ao mundo!

Dessa vez, você vê que me ter a seu lado pode ser vantajoso. Não para corresponder às minhas intenções. Pelo contrário. Você se utiliza esse sentimento declarado para alimentar seu ego, para que eu seja seu confidente e encubra as vezes que fugiu de sua família. Numa dessas fugidas, você encontra alguém e começa a compartilhar a vida com ele. Apesar disso, você quis me manter por perto. Em um jogo de “morde e assopra”, manteve o que eu fiquei disposto a fazer por você! E...

Seu companheiro foi embora, você atrás dele e eu... Eu fiquei aqui. No entanto, mantivemos contato. E... Você me convida a ir atrás de você. Você me diz que se sente só. Eu largo tudo aqui e vou para o Rio Grande do Sul. Atrás de você. Para cativar sua atenção, me fazer necessário na sua vida. Mal cheguei, brigamos. E, então inicia um longo tempo sem se bicar...

Daí em diante, as crises em mim foram se tornando menores em tempo de duração.

Mas eu ainda me declarava...

Teve aquela vez em que você era um estudante de nutrição, dividia quarto comigo, adotamos um urso de pelúcia juntos... Descobri que para você eu sempre fui um amigo. Esta crise durou um ano e meio.

Naquela outra vez, durou um ano, quando você era aquele estudante de filosofia. Em outra, você foi o carinha do cinema, que se preocupava comigo e me fazia sentir bem. Esta nova crise durou outro ano e meio. Naquela época você disse que era impossível me acompanhar pois sua sexualidade não era compatível com a minha.

Daquela outra vez, que você foi o estudante de letras perdido, que chegava no meu quarto perdido, procurando alguém para estar perto, foram apenas 8 meses...

E, depois, aquele outro estudante de filosofia. Eu sentia que você até retribuía o que eu fazia por você, mas, dessa vez, era você que estava perdido nas suas desilusões. Então eu volto para casa. Para São Paulo.

Durante uma pandemia toda eu não vislumbro você em lugar nenhum. Até que eu chego na Unesp. Você e eu agora seguimos um padrão. Para começar, eu não me declaro mais. Você agora é sempre um estudante de história, exceto daquela vez que você era estudante de serviço social. E o tempo de duração das crises é de 4 meses.

Agora, pense bem, não é que você tá aparecendo novamente, com outra configuração do ser...

E é a partir da sua chegada que eu percebi e faz me entender a "Síndrome da Raposa". Eu percebo que é um transtorno, por ser uma armadilha que eu mesmo crio. Eu já estou tentando me fazer presente na sua vida, tentando cativar sua atenção, tentando me fazer necessário.

Hoje, chegando aos 35 anos, percebo que além de causar esse transtorno, vejo que não sei me relacionar com você. Nenhuma vez que você esteve na minha vida eu consegui me fazer entender. Compreendi também que você se aliou a minha criatividade extraordinária, para me auxiliar na projeção do melhor. Aquela que eu sempre tenho esperança. Confesso, a esperança maior é de que um dia minha síndrome não seja tão assustadora para você e que consiga compreender é que eu quero a sua companhia para projetar junto de mim. Até esse dia chegar, eu encontrarei você em infinitas possibilidades, tentando te cativar, me fazer presente e necessário na sua vida. Quiçá, possa ter um futuro no qual eu tenha cativado você de tantas formas diferentes e perceber que, no fundo, cativei a mim mesmo.

Cativei para ter vontade de seguir adiante.

Pode ser, quando esse dia chegar, que você encontre com algum outro você, ou até outra pessoa, ou que você também continue sozinho. Isso não importa. O que importa é que eu serei eternamente grato e trarei na memória todas as crises que você me possibilitou.

Todas as vezes em que você me permitiu ir além.

Talvez eu chegue no fim da minha experiência terrena e vou me encontrar sozinho fisicamente. Mas nunca estive sozinho.

Sempre tive você, fazendo parte da minha vida, desde a minha infância. Graças a uma imaginação extraordinária, à "Síndrome da Raposa" e à você!

Ah, e, afinal, depois de tanto papo de maluco, o que pensa da síndrome que sofro?

 



[1] Pedagogo, Especialista em Educação, Graduando em História, escreveu este texto em 04/09/2023.

[2] Termo criado por Freud e inspirado na tragédia grega Édipo Rei, designa o conjunto de desejos amorosos e hostis que o menino enquanto ainda criança experimenta com relação a sua mãe, e embora seja muito discutido na área da psicologia e psicanálise não é uma teoria cientificamente aceita por carecer de evidências. O suposto fenômeno psíquico também ocorre nas meninas com relação ao pai, mas a este se dá o nome de Complexo de Electra.

Esparsos, não perdidos

Olá

Em 2024, aqui no blog da sala de leitura, vamos publicar textos diversos e esparsos de pessoas que circularam por este ambiente universitário  a sala de leitura Erico Verissimo  em tempos idos.

Intitulei esta série de publicações como “Esparsos, não perdidos”.

O primeiro – "síndrome da raposa" – foi escrito pelo Guilherme. Eu o conheci como estudante de Pedagogia e tive o prazer de vê-lo em sala de aula, atuando como professor estagiário com uma turma inteligente e criativa. Isso em Pelotas, entre os anos 2013 e 2018.

Guilherme alçou voo, estuda, pensa, escreve, ama. Seu escrito é corajoso, intenso, único.