sábado, 12 de setembro de 2020

Pequeno glossário: sujeito letrado


Pequeno glossário: sujeito letrado
Cristina Maria Rosa

Condicionados pela sociedade letrada repleta de jornais, revistas, livros, folhetos, cartazes, placas, cartas, bulas, receitas, rótulos, anúncios, é fato que “deixar de conviver nesse universo é impossível, mesmo para os analfabetos”, como bem disse Graça Paulino (2004). Entre a história coletiva de leitura – a da espécie humana – e a de cada um há, no entanto, muitas peculiaridades.
No mundo complexo do letramento há vários graus e concomitâncias. Inicia com a alfabetização literária e, passando por diferenciados estágios, se atinge o grau de “usuário competente da língua escrita” ou, letrado.
Nos últimos anos, muitos pesquisadores se ocuparam em agregar valor ao termo letramento, inicialmente cunhado por Magda Soares (1999) e tornado termo em glossário em 2004. Nele, Soares escreveu:

Letramento é palavra que corresponde a diferentes conceitos, dependendo da perspectiva que se adote: antropológica, linguística, psicológica, pedagógica. É sob esta última perspectiva que a palavra e o conceito são aqui considerados, pois foi no campo do ensino inicial da língua escrita que letramento – a palavra e o conceito – foi introduzido no Brasil.  Posteriormente, o conceito de letramento se estendeu para todo o campo do ensino da língua e da literatura, e mesmo de outras áreas do conhecimento, mas, neste verbete, letramento é considerado apenas em sua relação com alfabetização.

E, em sua relação com a alfabetização, o que significa letramento? Para Soares, é uma palavra que, inicialmente, se associou ao termo Alfabetização. Para ela, alfabetização designa

[...] uma aprendizagem inicial da língua escrita entendida não apenas como a aquisição do sistema alfabético e suas convenções, mas também como a introdução da criança às práticas sociais da língua escrita, ou, mais amplamente, à cultura do escrito (SOARES, 2004, p. 180).

Incapaz de ter um sentido mais ampliado e com significado consolidado na língua, a palavra alfabetização – a aprendizagem do ler e do escrever – precisou de aporte teórico e metodológico. E atributos: passou a ser um estágio do letramento. Letramento, então, é, de acordo com Soares (2004):

[...] o desenvolvimento das habilidades que possibilitam ler e escrever de forma adequada e eficiente, nas diversas situações pessoais, sociais e escolares em que precisamos ou queremos ler ou escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em diferentes suportes, para diferentes objetivos, em interação com diferentes interlocutores, para diferentes funções (SOARES, 2004, p. 180-181).

O início: a alfabetização literária
Ser alfabetizado literariamente significa ser apaixonado pela literatura, ter critérios próprios para escolher livros, um acervo e hábitos letrados. No processo de formação de um leitor, mediação, intensidade, diversidade, fluência, independência, autonomia e gosto literário são imprescindíveis.
Campo de saber visceral para o cérebro humano, a inteligência verbal deve ser desenvolvida ainda na infância e a alfabetização demanda pensamento, atitude, avaliação. Ininterruptamente. Assim, deve ser mediada por atitudes de escolha de procedimentos e artefatos cada vez mais sofisticados.
Artefatos culturais – livros, e-books, cd’s, vídeos, jogos, brinquedos – precisam ser acionados e seus conteúdos mediatizados através de leituras, diálogos, indicações, compartilhamento, trocas de impressões. A diferença que há entre jogar só ou em grupo, todos nós adultos, já conhecemos, mas, para a criança, é imprescindível a companhia.
A alfabetização literária é, também, um processo particular, pois cada pessoa atribui valores e sentidos muito próprios ao acontecimento e o “gosto” pela leitura não é um atributo genético. Então, a alfabetização literária pressupõe um sujeito que deseja – o futuro leitor; um sujeito que ama – o leitor e suas práticas leitoras e; um objeto de desejo: o livro, a literatura.
Tarefa para adultos
Como experientes da espécie, cabe a nós, adultos, propor um pacto com o novo leitor. Mediar o diálogo proposto pelo autor ao leitor. Revelar o literário que há na obra escrita. Selecionar livros que fascinam, pois é a dimensão imaginária que garante a invenção de outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações, pensamentos, emoções.
Um desejo – ensinar o gostar de ouvir – deve orientar todo o processo. A certeza de que, maduro, o leitor pode escolher outros laços, outras letras, outras fontes, integra o desprendimento necessário e bem vindo de parte de quem alfabetiza.

Referências
PAULINO, Graça. Minha vida no mundo da escrita. In: Prática de leitura e ensino de literatura. Coletânea temática. Apresentação e organização de Hilda Orquídea Hartmann Lontra. INB/ Instituto de Letras, 2004.
SOARES, Magda. Letramento. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG/CEALE: 2004.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.