Pequeno glossário:
sujeito letrado
Cristina Maria Rosa
Condicionados pela sociedade
letrada repleta de jornais, revistas, livros, folhetos, cartazes, placas,
cartas, bulas, receitas, rótulos, anúncios, é fato que “deixar de conviver
nesse universo é impossível, mesmo para os analfabetos”, como bem disse Graça
Paulino (2004). Entre a história coletiva de leitura – a da espécie humana – e
a de cada um há, no entanto, muitas peculiaridades.
No mundo complexo do letramento
há vários graus e concomitâncias. Inicia com a alfabetização literária e, passando
por diferenciados estágios, se atinge o grau de “usuário competente da língua
escrita” ou, letrado.
Nos últimos anos, muitos pesquisadores
se ocuparam em agregar valor ao termo letramento,
inicialmente cunhado por Magda Soares (1999) e tornado termo em glossário em
2004. Nele, Soares escreveu:
Letramento é palavra que
corresponde a diferentes conceitos, dependendo da perspectiva que se adote:
antropológica, linguística, psicológica, pedagógica. É sob esta última
perspectiva que a palavra e o conceito são aqui considerados, pois foi no campo
do ensino inicial da língua escrita que letramento – a palavra e o conceito –
foi introduzido no Brasil.
Posteriormente, o conceito de letramento se estendeu para todo o campo
do ensino da língua e da literatura, e mesmo de outras áreas do conhecimento,
mas, neste verbete, letramento é considerado apenas em sua relação com
alfabetização.
E, em sua relação com a
alfabetização, o que significa letramento? Para Soares, é uma palavra que,
inicialmente, se associou ao termo Alfabetização. Para ela, alfabetização designa
[...] uma aprendizagem
inicial da língua escrita entendida não apenas como a aquisição do sistema
alfabético e suas convenções, mas também como a introdução da criança às
práticas sociais da língua escrita, ou, mais amplamente, à cultura do escrito
(SOARES, 2004, p. 180).
Incapaz de ter um sentido
mais ampliado e com significado consolidado na língua, a palavra alfabetização –
a aprendizagem do ler e do escrever – precisou de aporte teórico e metodológico.
E atributos: passou a ser um estágio do letramento. Letramento, então, é, de
acordo com Soares (2004):
[...] o desenvolvimento das
habilidades que possibilitam ler e escrever de forma adequada e eficiente, nas
diversas situações pessoais, sociais e escolares em que precisamos ou queremos
ler ou escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em diferentes suportes,
para diferentes objetivos, em interação com diferentes interlocutores, para
diferentes funções (SOARES, 2004, p. 180-181).
O início: a alfabetização
literária
Ser alfabetizado
literariamente significa ser apaixonado pela literatura, ter critérios próprios
para escolher livros, um acervo e hábitos letrados. No processo de formação de
um leitor, mediação, intensidade, diversidade, fluência, independência,
autonomia e gosto literário são imprescindíveis.
Campo de saber visceral
para o cérebro humano, a inteligência verbal deve ser desenvolvida ainda na
infância e a alfabetização demanda pensamento, atitude, avaliação.
Ininterruptamente. Assim, deve ser mediada por atitudes de escolha de
procedimentos e artefatos cada vez mais sofisticados.
Artefatos culturais –
livros, e-books, cd’s, vídeos, jogos, brinquedos – precisam ser acionados e
seus conteúdos mediatizados através de leituras, diálogos, indicações,
compartilhamento, trocas de impressões. A diferença que há entre jogar só ou em
grupo, todos nós adultos, já conhecemos, mas, para a criança, é imprescindível
a companhia.
A alfabetização literária
é, também, um processo particular, pois cada pessoa atribui valores e sentidos
muito próprios ao acontecimento e o “gosto” pela leitura não é um atributo
genético. Então, a alfabetização literária pressupõe um sujeito que deseja – o
futuro leitor; um sujeito que ama – o leitor e suas práticas leitoras e; um
objeto de desejo: o livro, a literatura.
Tarefa para adultos
Como experientes da
espécie, cabe a nós, adultos, propor um pacto com o novo leitor. Mediar o
diálogo proposto pelo autor ao leitor. Revelar o literário que há na obra
escrita. Selecionar livros que fascinam, pois é a dimensão imaginária que garante
a invenção de outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações,
pensamentos, emoções.
Um desejo – ensinar o
gostar de ouvir – deve orientar todo o processo. A certeza de que, maduro, o
leitor pode escolher outros laços, outras letras, outras fontes, integra o
desprendimento necessário e bem vindo de parte de quem alfabetiza.
Referências
PAULINO, Graça. Minha vida no mundo da escrita. In: Prática de leitura e ensino de literatura.
Coletânea temática. Apresentação e organização de Hilda Orquídea Hartmann
Lontra. INB/ Instituto de Letras, 2004.
SOARES, Magda. Letramento. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG/CEALE:
2004.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.