“A escola só cumpre sua finalidade se forma leitores”
Por: Fernanda
Baroni
Entrevistar o
escritor Bartolomeu Campos Queirós é como conversar sobre literatura na varanda
de casa. Sem rodeios, o mestre dá dicas, fala sobre o processo de criação,
expõe idéias, desvenda segredos e nos mostra que ainda há muitos caminhos a
serem trilhados por nossos pensamentos.
Seus textos são
muito emocionais, voltados para as descobertas e inquietações dos personagens.
Você já afirmou que a Literatura Infantil não precisa ser um textinho fácil, e
seus livros acabam atingindo leitores de todas as idades. Como é seu processo
de criação? Você pensa em um leitor específico quando escreve uma história?
Quando escrevo
procuro exercer o melhor de mim. Procuro uma linguagem direta, clara, frases
curtas, o que não impede o texto de suportar uma análise literária. Exploro as
metáforas, não apenas como figura de estilo, mas a metáfora permite vários
níveis de entendimentos. Não seleciono o assunto, não gosto de literatura com
destinatário, dividindo o mundo como se existisse um mundo para criança e outro
para os adultos. A existência é um fio único que começa no nascimento e encerra
com a morte. Tento construir um texto sem fronteiras. Cada leitor se inscreve
nele a partir de suas experiências. Todos vivemos num mesmo mundo e somos
portadores da fantasia,que nos permite dialogar com o universo.
Você segue alguma rotina? Acha que as palavras perfeitas
devem ser buscadas ou elas surgem, espontâneas, num ato de inspiração?
O texto é feito de
palavras. As palavras além de escritas são sonoras quando pronunciadas. Ao
buscar configurar um texto busco construir com as palavras uma frase melódica
capaz de embalar o leitor. Tenho uma rotina de trabalho. Escrevo sempre que
estou em casa. Quando viajo não escrevo. Preciso sempre de dicionários. Eles
são muitos e consulto as palavras em suas muitas aplicações. Dicionário de
símbolos, de psicanálise, de filosofia, de mitologia, biblíco, etc.
Quanto tempo costuma se passar entre a idéia da história na
sua cabeça e o objeto livro nas prateleiras?
Hoje eu peço às
editoras uma produção mais imediata de meus textos. Sou impaciente. Não gosto
de organogramas ou planejamentos a longo prazo. Quando terminei o texto O olho
de vidro do meu avô, a editora pediu dois meses para ter o livro nas livrarias.
Mas se o texto é para crianças ainda em fase de início de leitura, o livro
exige mais tempo por precisar de mais ilustrações e seduzir mais o pequeno
leitor. É preciso dar tempo ao ilustrador.
Como uma criança que aprendeu a ler decifrando as palavras
escritas na parede de casa desenvolveu essa relação tão profunda com a
Educação?
Eu sempre possuí um
carinho com as palavras. Sou bastante silencioso. Acho mesmo que escutar é
superior a falar. Passei a ter maior admiração pelas palavras depois de viver
um processo de psicanálise. Experimentei que as palavras realizam o que
anunciam. Comecei minha vida profissional trabalhando com crianças numa escola
de demonstração do MEC.
Daí minha confiança na escola como lugar do refinamento da percepção.
Como você vê a Literatura no cenário da Educação no Brasil
de hoje? O que você acha que poderia ser feito para melhorar isso?
Vejo com alegria a
preocupação, tanto da escola como de toda sociedade, com a formação do leitor.
A escola só cumpre sua finalidade e se torna permanente na vida do aluno quando
forma leitores. O sujeito sai e continua se educando vida afora. Acredito que
devemos facilitar a aproximação do professor com a literatura. Para criar o
hábito da leitura o professor tem que possuir hálito de leitura. O trabalho
maior deve ser junto dos professores, para que eles deixem também transbordar
seu gosto pela leitura.
A FNLIJ tem
obtido grandes conquistas no sentido de levar coleções de qualidade para serem
adotadas nas escolas. Você acha que o mercado dos livros didáticos corre
paralelamente ao mercado editorial de um modo geral?
A Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil tem realizado trabalho significativo e consistente
para a promoção do livro e do leitor no Brasil. Todos os movimentos que
aconteceram no Brasil tiveram a participação da FNLIJ. É uma entidade que se
preocupa com a literatura e nem tudo que está em livro pode ser considerado
literário. Vejo o livro didático como importante se executado com excelentes
critérios. É preciso considerar que a escola é mesmo o lugar da informação e da
transformação. O livro didático e o literário dão coragem ao leitor para
transformar, criar, acrescentar.
Algumas pessoas têm a idéia, equivocada, de que criança não
gosta de poesia. O que você diria a estas pessoas?
As crianças gostam
sim de poesia. É preciso saber apresentar a poesia para elas. A poesia é um
texto contido, econômico, com bastante abertura para o leitor apreciar seus
tantos sentidos. Depois a criança gosta do jogo com as palavras, das rimas
rimas, do inusitado. A criança é um ser aberto para o mundo. O que não podemos
ter é um conceito de criança. Cada criança é um conceito. Algumas podem gostar
de poesia e outras de mistério. O importante é gostar de algum estilo. É
preciso descobrir.
Como você se definiria enquanto autor?
Como autor sou um
operário. Como o pedreiro organiza os tijolos para tornar resistente as
paredes, eu organizo as palavras para desfazer os muros, acreditando na
liberdade como a maior das conquistas.
E como leitor? Quais os autores que você lê? Que tipo de
leitura você aprecia?
Leio sempre e muito.
Chego a pensar que ler é superior a escrever. Com a leitura eu somo muitos em
mim. Quando escrevo eu divido. Leio muita teoria, gosto de romances, mas a
poesia me seduz. Gosto de tantos poetas que fica difícil enumerá-los: Drummond,
Bandeira, João Cabral, Cecília Meireles, Affonso Romano, Manuel de Barros,
Henriqueta Lisboa, sem falar nos estrangeiros e esquecendo muitos. Não se lê
poesia. Poesia a gente relê sempre.
O que o Bartolomeu Campos Queirós gosta de fazer quando não
está escrevendo?
Posto de pensar. E
pensar é um ato operatório, é tentar adivinhar os avessos. O escritor sabe que
o olhar não esgota o olhado. Só a imaginação chega dentro das coisas, no
interior. Vou ao cinema, escuto música, adoro ir ao correio, visitar livrarias
e estar com amigos. Mas o que faço com alegria é cozinhar. É uma hora em que
não penso em nada a não ser nos temperos e sabores.
Que conselho você daria para jovens autores que ainda não
conquistaram um espaço no mercado editorial brasileiro?
Eu comecei meu trabalho
participando de concursos. Acho um bom caminho. É mais independente, mais
isento. Mas encaminhar texto para as editoras é um bom caminho. Os editores, em
geral, são bastante sensíveis e abertos para bons textos.
Fernanda Baroni é uma jornalista apaixonada por
Literatura Infantil. O trabalho como repórter, assessora de imprensa,
profissional de comunicação de um modo geral, é gratificante, mas não tira o
gostinho de um dia dedicar seu tempo à Literatura. Seja para falar sobre esse
assunto tão especialmente inesgotável ou para encontrar sua linguagem e seu
espaço nessas esquinas de palavras. fernanda.baroni@uol.com.br
FONTE: http://www.amigosdolivro.com.br/